COLAPSO
Um grande cientista, geógrafo e historiador americano, Jared Diamond, publicou, há uns anos, um formidável livro recentemente editado em Portugal (Gradiva). O título, Colapso, refere-se a uma realidade que estudou com pormenor e imaginação: há povos, países ou Estados que escolhem acabar, morrer ou desaparecer. Os Maias, os povos da ilha de Páscoa ou das ilhas da Gronelândia e populações do Ruanda contemporâneo são alguns dos exemplos. Por várias e complexas razões, tais povos, a partir de um certo momento, desistiram e caminharam direitos para o fim. Uns fizeram tudo o que era necessário para destruir ou esgotar as bases da sua sobrevivência, outros renderam-se aos inimigos humanos ou às ameaças naturais. Podem as escolhas não ser datadas e deliberadas, mas são actos de vontade motivados, talvez não pelo desejo de morrer, mas sim pela ilusão de outra vantagem ou pela complacência com que se vive uma circunstância conhecida.
Esta semana foi fértil em situações e acontecimentos que sugerem o colapso, tal como Diamond o estudou. A analogia pode parecer forçada. Os processos históricos demoram séculos, aqui estamos a falar de anos. Aqueles dizem respeito a povos inteiros, aqui referem-se instituições ou regimes. Mas o paralelo é irresistível. O Parlamento português, por exemplo. Tem vindo gradualmente a falhar os testes de prova de vida. Dá de si uma imagem confrangedora de ignorância e incompetência. Obriga os seus deputados a abdicarem da liberdade e da independência. Aprovou por unanimidade diplomas recheados de inconstitucionalidades. Transforma o orçamento de Estado numa futilidade adjectiva. Faz seu o confronto que o PS deseja criar com o Presidente da República. Cauciona a abertura de uma crise institucional, inventada por motivos menores, sem se preocupar com os efeitos nefastos do seu comportamento. Caminha cegamente para as trevas exteriores. Tal como os Vikings das ilhas da Gronelândia, não percebe que já não é útil e que, por este andar, é dispensável. E não entende que o seu fim pode já ter começado.
O PSD continua a dar exemplos de preparação para o suicídio. As mudanças sucessivas de presidente nada adiantaram. Manuela Ferreira Leite não conseguiu pôr o partido em ordem. Poucos meses bastaram para que os seus rivais criassem a desordem habitual. Creio que não existe, na recente história política portuguesa, nenhum caso onde sejam tão frequentes a mentira e a traição. Onde a luta fratricida atinja os cumes do assassinato velhaco. Onde o maior prazer é a derrota dos amigos. Onde a maior festa é a morte dos correligionários. No Parlamento, esta semana e a propósito de uma votação relativa aos processos de avaliação dos professores, as faltas de trinta ou quarenta deputados fizeram com que a oposição perdesse e o governo ganhasse sem mérito nem justa causa. Pode pensar-se que foi preguiça, afazeres, negócios ou prazer. Eventualmente vingança ou vontade de criar o caos. Mas tudo isso, por parte ou atacado, configura a indiferença. Eles estão-se simplesmente nas tintas! E, tal como os habitantes da ilha de Páscoa, não sabem que estão a escolher a morte. Se fosse só a deles, não se perderia grande coisa. Mas também pode ser a do Parlamento.
O regime democrático português é frequentemente elogiado. Ou antes, foi. Instalou-se em poucos anos. Tem resistido à prova do tempo. Já foi considerado o bom aluno da Europa. Há mesmo quem pense que foi a primeira revolução democrática a preceder todas as outras de Leste e alhures. Na verdade, não foi. Terá talvez sido, com as suas ilusões absurdas, a última revolução socialista, mas é indiferente. Nesta democracia que já foi exemplar, as recentes agitações financeiras abriram definitivamente uma ferida tão repetidamente mencionada mas raramente concretizada: a da promiscuidade. Infelizmente, os costumes locais não fazer a distinção entre fraude, corrupção e promiscuidade. Para muitos, é a mesma coisa. Ora, não é. A promiscuidade entre a política e os negócios pode ser perfeitamente legal, mas pode matar um regime. Pode levá-lo ao colapso, mas legalmente. A política como fonte de acumulação primitiva de uma classe recém-chegada pode utilizar apenas meios legais ou, no máximo, não recorrer a ilícitos. Até porque os verdadeiros patrícios do regime português têm sabido fazer as leis capazes de sustentar as festividades.
A sucessão de casos que envolvem grandes recursos financeiros, enormes obras públicas e colossais adjudicações sem concurso tem vindo a criar mal-estar e a mostrar as fragilidades do regime. A revelação das galáxias empresariais torna evidentes ligações insuspeitas entre partidos e empresas. Mas também o seu tutano, aquela área feita ora de luz, ora de sombra, onde se ganham eleições, se fazem negócios, se recrutam quadros e prestam favores. Ou aquele espaço intersticial onde se acumulam riquezas e fazem reis. As lutas intestinas de um banco, as rivalidades agressivas entre outros, as fraudes cometidas por um e a falência iminente de outro tiveram um denominador comum: a presença directa ou indirecta do Estado no capital, no negócio, na estratégia, no salvamento, na recuperação ou no amparo. Antes, durante e sobretudo depois das crises. Se o que estivesse em causa fosse só o papel do Estado, talvez houvesse razão e desculpa. O problema é que apareceram os rostos áulicos, com nome e currículo, dos que ora agem pelo Estado, ora por si próprios, ora por mandantes. O facto, em vez de sublinhar a força do Estado, põe em relevo a sua fragilidade e o modo como se deixou apoderar pelos predadores do regime. E exibe os circuitos do Jogo da Glória, ou do Monopólio, por onde circulam os novos Barões. Banca, energia, obras públicas e telecomunicações: parecem ser estes os territórios preferidos dos grandes partidos do regime. É possível que a maior parte dos homens de que se fala hoje não tenha cometido um só crime. É possível que não tenham tido, jamais, um comportamento ilícito. Mas tal se deve ao facto de as leis permitirem que se faça o que se faz. Até porque foram eles que as fizeram.
António Barreto
PÚBLICO
7 de Dezembro de 2008
Esta semana foi fértil em situações e acontecimentos que sugerem o colapso, tal como Diamond o estudou. A analogia pode parecer forçada. Os processos históricos demoram séculos, aqui estamos a falar de anos. Aqueles dizem respeito a povos inteiros, aqui referem-se instituições ou regimes. Mas o paralelo é irresistível. O Parlamento português, por exemplo. Tem vindo gradualmente a falhar os testes de prova de vida. Dá de si uma imagem confrangedora de ignorância e incompetência. Obriga os seus deputados a abdicarem da liberdade e da independência. Aprovou por unanimidade diplomas recheados de inconstitucionalidades. Transforma o orçamento de Estado numa futilidade adjectiva. Faz seu o confronto que o PS deseja criar com o Presidente da República. Cauciona a abertura de uma crise institucional, inventada por motivos menores, sem se preocupar com os efeitos nefastos do seu comportamento. Caminha cegamente para as trevas exteriores. Tal como os Vikings das ilhas da Gronelândia, não percebe que já não é útil e que, por este andar, é dispensável. E não entende que o seu fim pode já ter começado.
O PSD continua a dar exemplos de preparação para o suicídio. As mudanças sucessivas de presidente nada adiantaram. Manuela Ferreira Leite não conseguiu pôr o partido em ordem. Poucos meses bastaram para que os seus rivais criassem a desordem habitual. Creio que não existe, na recente história política portuguesa, nenhum caso onde sejam tão frequentes a mentira e a traição. Onde a luta fratricida atinja os cumes do assassinato velhaco. Onde o maior prazer é a derrota dos amigos. Onde a maior festa é a morte dos correligionários. No Parlamento, esta semana e a propósito de uma votação relativa aos processos de avaliação dos professores, as faltas de trinta ou quarenta deputados fizeram com que a oposição perdesse e o governo ganhasse sem mérito nem justa causa. Pode pensar-se que foi preguiça, afazeres, negócios ou prazer. Eventualmente vingança ou vontade de criar o caos. Mas tudo isso, por parte ou atacado, configura a indiferença. Eles estão-se simplesmente nas tintas! E, tal como os habitantes da ilha de Páscoa, não sabem que estão a escolher a morte. Se fosse só a deles, não se perderia grande coisa. Mas também pode ser a do Parlamento.
O regime democrático português é frequentemente elogiado. Ou antes, foi. Instalou-se em poucos anos. Tem resistido à prova do tempo. Já foi considerado o bom aluno da Europa. Há mesmo quem pense que foi a primeira revolução democrática a preceder todas as outras de Leste e alhures. Na verdade, não foi. Terá talvez sido, com as suas ilusões absurdas, a última revolução socialista, mas é indiferente. Nesta democracia que já foi exemplar, as recentes agitações financeiras abriram definitivamente uma ferida tão repetidamente mencionada mas raramente concretizada: a da promiscuidade. Infelizmente, os costumes locais não fazer a distinção entre fraude, corrupção e promiscuidade. Para muitos, é a mesma coisa. Ora, não é. A promiscuidade entre a política e os negócios pode ser perfeitamente legal, mas pode matar um regime. Pode levá-lo ao colapso, mas legalmente. A política como fonte de acumulação primitiva de uma classe recém-chegada pode utilizar apenas meios legais ou, no máximo, não recorrer a ilícitos. Até porque os verdadeiros patrícios do regime português têm sabido fazer as leis capazes de sustentar as festividades.
A sucessão de casos que envolvem grandes recursos financeiros, enormes obras públicas e colossais adjudicações sem concurso tem vindo a criar mal-estar e a mostrar as fragilidades do regime. A revelação das galáxias empresariais torna evidentes ligações insuspeitas entre partidos e empresas. Mas também o seu tutano, aquela área feita ora de luz, ora de sombra, onde se ganham eleições, se fazem negócios, se recrutam quadros e prestam favores. Ou aquele espaço intersticial onde se acumulam riquezas e fazem reis. As lutas intestinas de um banco, as rivalidades agressivas entre outros, as fraudes cometidas por um e a falência iminente de outro tiveram um denominador comum: a presença directa ou indirecta do Estado no capital, no negócio, na estratégia, no salvamento, na recuperação ou no amparo. Antes, durante e sobretudo depois das crises. Se o que estivesse em causa fosse só o papel do Estado, talvez houvesse razão e desculpa. O problema é que apareceram os rostos áulicos, com nome e currículo, dos que ora agem pelo Estado, ora por si próprios, ora por mandantes. O facto, em vez de sublinhar a força do Estado, põe em relevo a sua fragilidade e o modo como se deixou apoderar pelos predadores do regime. E exibe os circuitos do Jogo da Glória, ou do Monopólio, por onde circulam os novos Barões. Banca, energia, obras públicas e telecomunicações: parecem ser estes os territórios preferidos dos grandes partidos do regime. É possível que a maior parte dos homens de que se fala hoje não tenha cometido um só crime. É possível que não tenham tido, jamais, um comportamento ilícito. Mas tal se deve ao facto de as leis permitirem que se faça o que se faz. Até porque foram eles que as fizeram.
António Barreto
PÚBLICO
7 de Dezembro de 2008
Etiquetas: Banca, Bancos, Corrupção, Partido Social Democrata, Partido Socialista, Portugal, Portugal um País de Bananas Governado por Sacanas, Vigarice
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