domingo, 8 de fevereiro de 2009

OS SUBTERRÂNEOS DA DEMOCRACIA

Extraordinário, este ano de 2009! Um dos mais difíceis da história recente do país. Ainda por cima com eleições europeias, autárquicas e legislativas. Curiosamente, o peso das dificuldades é tal que as eleições parecem estar a anos de distância.

A crise económica e financeira, com relevo especial para o fecho de empresas, os despedimentos e o desemprego, ocupa as atenções. Estas são partilhadas com a corrupção e a proliferação de negócios estranhos, com ou sem intervenção do governo. Antigamente, as crises criavam oportunidades e sobretudo gangsters. Hoje, os bandidos de sucesso e os golpes de génio financeiro provocam, eles, as crises. O terceiro tema que a todos prende é o da justiça. Quando há crise, negócios esquisitos e corrupção, logo a justiça é chamada a agir. Mas, em si mesma, tem sobejos motivos de apreensão: os seus desmandos, os atrasos, a vaidade judicial, as chicanas processuais e a quebra do segredo de justiça são suficientes para mobilizar as preocupações dos cidadãos. Já se percebeu que a justiça e a regulação são incapazes de resolver os problemas a tempo: são cada vez mais o lado inquietante do problema. Para muitos, desempregados ou vítimas, o desespero começa a ser uma realidade.

A gravidade do que precede é tal que nem recordamos o facto essencial do ano: as eleições. Teoricamente, estas poderiam ser um instrumento de resolução. Debates sérios e veredicto popular poderiam seleccionar e ungir quem tem mais capacidades para deitar mãos à obra. Mas, com realismo, receia-se o pior: é bem possível que das eleições resulte um poder minoritário, partidos fragmentados e uma autoridade dispersa.

As eleições europeias não interessam a ninguém. Não têm qualquer espécie de significado. Ou antes, têm-no cada vez menos, se tal é possível. Em tempos de ressurreição do proteccionismo, são um modelo de inutilidade. Já as outras, autárquicas e legislativas, são de real importância. Espera-se que sejam úteis. Com os ecrãs de nevoeiro criados pelas dificuldades presentes, poucos são os que pensam que as eleições poderiam ajudar. E delas não se ocupam. Mas há quem não pense noutra coisa. Os socialistas que querem castigar Sócrates e os social-democratas que se querem ver livres de Ferreira Leite estão activos e agitados. Não querem ganhar eleições, querem que os seus adversários internos as percam. Nos municípios, depois dos precedentes de há poucos anos, a tentação independente é fortíssima e alguns partidos vão conhecer problemas de monta. A situação social e os conflitos profissionais recentes vão levar muitos eleitores a comportamentos improváveis. Mais do que muitas outras, estas eleições são razoavelmente imprevisíveis. Parece tão difícil retirar o primeiro lugar aos socialistas como voltar a dar-lhes a maioria absoluta. Além disso, pouco se pode prever, muito ou tudo pode acontecer. Ora, as eleições servem para definir uma indispensável maioria de governo e seleccionar melhor pessoal político do que aquele que temos à disposição. Por isso, seria interessante que as atenções dos eleitores começassem a concentrar-se nos próximos sufrágios. Mas tal é difícil acontecer, já se viu porquê.

Não se pense, todavia, que nada está em preparação. Pelo contrário. Nos subterrâneos da democracia já se trabalha. Ouvem-se espadas e amolam-se facas. Decisões estão a ser preparadas. Escolhas estão a ser feitas. Não há congresso, convenção, seminário ou inauguração que não tenha isso em mente, mesmo se não explícito. As desculpas da crise e da corrupção servem para esconder a campanha em curso, pois ficaria mal, quando as populações sofrem, pensar em eleições. Mas esse tão especial momento, o da confecção das listas, já chegou. Os ajustes de contas adiados, no PS, no PSD e no CDS, começam por aí. Os chefes partidários que receiam perder querem deixar em legado, aos seus sucessores, grupos parlamentares fiéis e complicados. A simultaneidade das duas eleições permite combinar escolhas entre Parlamento e Câmaras. Figuras de enfeite estão a ser convidadas. Lá teremos, como sempre, candidatos que, se não forem ministros, fazem-se substituir e vão à sua vida.

Há cada vez menos pessoas a votar pela camisola ou por mera credulidade. Há cada vez mais quem faça contas à vida e decida livremente votar. Há quem não vote enquanto o sistema eleitoral for o que é: proporcional por lista, com grandes círculos anónimos e colectivos e sem compromisso pessoal. Outros, mesmo críticos do sistema, procuram sinais que os ajudem a decidir. Por exemplo, um bom critério é o de exigir que o candidato vencedor fará tudo o que for necessário para fazer ou compor um governo de maioria parlamentar. Quem tal não fizer e se esconda atrás das eternas declarações marialvas e covardes, deverá ser punido. Mas há outras exigências que se podem fazer aos candidatos, na falta de hábitos legais ou de comportamentos de honra. Nenhum candidato deveria ser admitido sem um compromisso público relativamente à seriedade do seu gesto, isto é, uma promessa irrefutável de que, depois de eleito, cumpre o seu mandato e não se retira para a sua vidinha. Os barões que concorrem para o currículo, ou na exclusiva esperança de virem a ser ministros, seriam assim afastados. De igual modo, a certeza de que um candidato, depois de eleito, nunca se deixará substituir, aumentaria a confiança que ainda se pode depositar numa eleição. Finalmente, a honestidade e a moralidade da nossa democracia poderia ser melhorada se um candidato prestasse juramento solene ou simplesmente prometesse: se for eleito, comportar-se-á sempre com independência pessoal, votará de acordo com a sua consciência e os seus compromissos pessoais e não prestará vassalagem à disciplina de partido, o mais infame costume do nosso parlamento. Tudo isto parece irrealista, mas é mais possível do que se julga. Por vezes, a honra substitui as más leis. Com vantagem.


António Barreto
Público
8 de Fevereiro de 2009

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1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Está bem... façamos de conta

Façamos de conta que nada aconteceu no Freeport. Que não houve invulgaridades no processo de licenciamento e que despachos ministeriais a três dias do fim de um governo são coisa normal. Que não houve tios e primos a falar para sobrinhas e sobrinhos e a referir montantes de milhões (contos, libras, euros?). Façamos de conta que a Universidade que licenciou José Sócrates não está fechada no meio de um caso de polícia com arguidos e tudo.

Façamos de conta que José Sócrates sabe mesmo falar Inglês. Façamos de conta que é de aceitar a tese do professor Freitas do Amaral de que, pelo que sabe, no Freeport está tudo bem e é em termos quid juris irrepreensível. Façamos de conta que aceitamos o mestrado em Gestão com que na mesma entrevista Freitas do Amaral distinguiu o primeiro-ministro e façamos de conta que não é absurdo colocá-lo numa das "melhores posições no Mundo" para enfrentar a crise devido aos prodígios académicos que Freitas do Amaral lhe reconheceu. Façamos de conta que, como o afirma o professor Correia de Campos, tudo isto não passa de uma invenção dos média. Façamos de conta que o "Magalhães" é a sério e que nunca houve alunos/figurantes contratados para encenar acções de propaganda do Governo sobre a educação. Façamos de conta que a OCDE se pronunciou sobre a educação em Portugal considerando-a do melhor que há no Mundo. Façamos de conta que Jorge Coelho nunca disse que "quem se mete com o PS leva". Façamos de conta que Augusto Santos Silva nunca disse que do que gostava mesmo era de "malhar na Direita" (acho que Klaus Barbie disse o mesmo da Esquerda). Façamos de conta que o director do Sol não declarou que teve pressões e ameaças de represálias económicas se publicasse reportagens sobre o Freeport. Façamos de conta que o ministro da Presidência Pedro Silva Pereira não me telefonou a tentar saber por "onde é que eu ia começar" a entrevista que lhe fiz sobre o Freeport e não me voltou a telefonar pouco antes da entrevista a dizer que queria ser tratado por ministro e sem confianças de natureza pessoal. Façamos de conta que Edmundo Pedro não está preocupado com a "falta de liberdade". E Manuel Alegre também. Façamos de conta que não é infinitamente ridículo e perverso comparar o Caso Freeport ao Caso Dreyfus. Façamos de conta que não aconteceu nada com o professor Charrua e que não houve indagações da Polícia antes de manifestações legais de professores. Façamos de conta que é normal a sequência de entrevistas do Ministério Público e são normais e de boa prática democrática as declarações do procurador-geral da República. Façamos de conta que não há SIS. Façamos de conta que o presidente da República não chamou o PGR sobre o Freeport e quando disse que isto era assunto de Estado não queria dizer nada disso. Façamos de conta que esta democracia está a funcionar e votemos. Votemos, já que temos a valsa começada, e o nada há-de acabar-se como todas as coisas. Votemos Chaves, Mugabe, Castro, Eduardo dos Santos, Kabila ou o que quer que seja. Votemos por unanimidade porque de facto não interessa. A continuar assim, é só a fazer de conta que votamos.

Mário Crespo

segunda-feira, 09 fevereiro, 2009  

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