O Governo emitiu ontem um despacho para “clarificar” o Estatuto do Aluno. Clarificar é um eufemismo. O despacho altera materialmente o disposto na lei e cede às pretensões dos estudantes e oposição, pondo um ponto final no exame com carácter reprovatório para os alunos com faltas justificadas. Para salvar o que resta da face de um ministério moribundo, o secretário de Estado responde que a confusão teve origem nas escolas. Os regulamentos “não eram claros sobre essa questão”, diz Valter Lemos. Mesmo a desonestidade intelectual tem limites. O Estatuto do Aluno é bem claro e permitia, até hoje, a reprovação dos alunos com faltas justificadas.
É só comparar o que diz o despacho com o Estatuto do Aluno.
Ponto 5 do despacho do ME: “Da prova de recuperação realizada na sequência das três semanas de faltas justificadas não pode decorrer a retenção, exclusão ou qualquer outra penalização para o aluno, apenas medidas de apoio ao estudo e à recuperação das aprendizagens, sem prejuízo da restante avaliação”.
Artigo 22.ª, 2, do Estatuto do Aluno: “Sempre que um aluno, independentemente da natureza das faltas, atinja um número total de faltas correspondente a três semanas no 1.º ciclo do ensino (…) deve realizar, logo que avaliados os efeitos da aplicação das medidas correctivas referidas no número anterior, uma prova de recuperação, na disciplina ou disciplinas em que ultrapassou aquele limite, competindo ao conselho pedagógico fixar os termos dessa realização.
Artigo 22.ª, 3, do Estatuto do Aluno: “Quando o aluno não obtém aprovação na prova referida no número anterior, o conselho de turma pondera a justificação ou injustificação das faltas dadas, o período lectivo e o momento em que a realização da prova ocorreu e, sendo o caso, os resultados obtidos nas restantes disciplinas, podendo determinar:
b) A retenção do aluno inserido no âmbito da escolaidade obrigatória ou a frequentar o ensino básico, a qual consiste na sua manutenção, no ano lectivo seguinte, no mesmo ano de escolaridade que frequenta;
c) A exclusão do aluno que se encontre fora da escolaridade obrigatória, a qual consiste na impossibilidade de esse aluno frequentar, até ao final do ano lectivo em curso, a disciplina ou disciplinas em relação às quais não obteve aprovação na referida prova”.
O Ministério da Educação tem razão num ponto. O despacho é clarificador. Sobre a incompetência legislativa da sua equipa e sobre o peso político que lhe resta. Mais leve que um ovo.
Valter de Lemos, em entrevista à RTP na passada sexta-feira, no Jornal da Tarde, ao minuto 3:48:
Só há aplicação de medidas disciplinares ou correctivas no caso das faltas serem injustificadas. No caso das faltas serem justificadas não há nenhuma aplicação de medida correctiva ou disciplinar. Por exemplo aquela aluna que ali falou que deu quatro faltas justificadas não tem nenhum problema com essas quatro faltas justificadas porque esteve doente. [...]
Quando um aluno está ausente [por] um período de tempo muito alargado, independentemente da razão, os professores têm que verificar qual é (sic) as aprendizagens que ele não fez [...] não para os penalizar mas para conseguir que eles tenham apoio, aulas de apoio, fichas de trabalho, etc. para recuperarem as aprendizagens que não fizeram. [...]
Nenhuma medida disciplinar pode ser aplicada a nenhum aluno por causa de faltas justificadas e as provas de recuperação assim chamadas no estatuto têm que ser feitas a alunos com ausências muito longas não têm em vista decidir sobre a reprovação ou não do aluno [mas] exclusivamente para que os professores obtenham informação sobre as aprendizagens não feitas e possam estabelecer os mecanismos de apoios necessários.
Artigo 22º do estatuto do aluno:
2 - Sempre que um aluno, independentemente da natureza das faltas, atinja um número total de faltas[...] deve realizar, logo que avaliados os efeitos da aplicação das medidas correctivas referidas no número anterior, uma prova de recuperação, na disciplina ou disciplinas em que ultrapassou aquele limite, competindo ao conselho pedagógico fixar os termos dessa realização.
3 - Quando o aluno não obtém aprovação na prova referida no número anterior, o conselho de turma pondera a justificação ou injustificação das faltas dadas, o período lectivo e o momento em que a realização da prova ocorreu e, sendo o caso, os resultados os resultados obtidos nas restantes disciplinas, podendo determinar: a) O cumprimento de um plano de acompanhamento [...] b) A retenção do aluno [...] c) A exclusão do aluno [...]
Concluo: 1. Não percebo porque insiste Valter de Lemos em misturar as medidas disciplinares ou correctivas com a questão das faltas. Existe uma ténue ligação (artigo 22.1 com o artigo 26) mas lendo o artigo 26 não se vislumbra o que é que isto tem a ver com faltas. Talvez a alínea c) do nº 2 esteja, com boa vontade, relacionada.
2. Faltas justificadas têm consequências. Valter de Lemos, apesar da insistência para repetir com o intuito de informar, não disse o que está na lei. Ou mentiu ou não sabe o que diz o Estatuto do Aluno.
3. Face ao posto no ponto 2, tenho que duvidar da honestidade das restantes declarações de Valter de Lemos.
Finalmente, ainda sobre o estatuto do aluno, mais umas considerações: 1. Um aluno que falte intermitentemente durante o ano (até “tapar”) e que acabe por exceder o limite de faltas acaba por ter que fazer a dita prova. Possivelmente não existirá razão para isso.
2. Isto com reuniões para a frente e para trás, chamar pais, reuniões para decidir a aplicação de medidas correctivas, respectiva aplicação, reuniões para analisar o seu resultado, provas de recuperação, planos de acompanhamento, … Bom, isto faz-me lembrar aquele sketch dos Gato Fedorento “O Papel”. Enfim, algo kafkiano. Aceito o princípio subjacente mas caramba é mesmo preciso vir com o esplendor da burocracia?
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O Governo emitiu ontem um despacho para “clarificar” o Estatuto do Aluno. Clarificar é um eufemismo. O despacho altera materialmente o disposto na lei e cede às pretensões dos estudantes e oposição, pondo um ponto final no exame com carácter reprovatório para os alunos com faltas justificadas. Para salvar o que resta da face de um ministério moribundo, o secretário de Estado responde que a confusão teve origem nas escolas. Os regulamentos “não eram claros sobre essa questão”, diz Valter Lemos. Mesmo a desonestidade intelectual tem limites. O Estatuto do Aluno é bem claro e permitia, até hoje, a reprovação dos alunos com faltas justificadas.
É só comparar o que diz o despacho com o Estatuto do Aluno.
Ponto 5 do despacho do ME: “Da prova de recuperação realizada na sequência das três semanas de faltas justificadas não pode decorrer a retenção, exclusão ou qualquer outra penalização para o aluno, apenas medidas de apoio ao estudo e à recuperação das aprendizagens, sem prejuízo da restante avaliação”.
Artigo 22.ª, 2, do Estatuto do Aluno: “Sempre que um aluno, independentemente da natureza das faltas, atinja um número total de faltas correspondente a três semanas no 1.º ciclo do ensino (…) deve realizar, logo que avaliados os efeitos da aplicação das medidas correctivas referidas no número anterior, uma prova de recuperação, na disciplina ou disciplinas em que ultrapassou aquele limite, competindo ao conselho pedagógico fixar os termos dessa realização.
Artigo 22.ª, 3, do Estatuto do Aluno: “Quando o aluno não obtém aprovação na prova referida no número anterior, o conselho de turma pondera a justificação ou injustificação das faltas dadas, o período lectivo e o momento em que a realização da prova ocorreu e, sendo o caso, os resultados obtidos nas restantes disciplinas, podendo determinar:
b) A retenção do aluno inserido no âmbito da escolaidade obrigatória ou a frequentar o ensino básico, a qual consiste na sua manutenção, no ano lectivo seguinte, no mesmo ano de escolaridade que frequenta;
c) A exclusão do aluno que se encontre fora da escolaridade obrigatória, a qual consiste na impossibilidade de esse aluno frequentar, até ao final do ano lectivo em curso, a disciplina ou disciplinas em relação às quais não obteve aprovação na referida prova”.
O Ministério da Educação tem razão num ponto. O despacho é clarificador. Sobre a incompetência legislativa da sua equipa e sobre o peso político que lhe resta. Mais leve que um ovo.
Valter de Lemos, em entrevista à RTP na passada sexta-feira, no Jornal da Tarde, ao minuto 3:48:
Só há aplicação de medidas disciplinares ou correctivas no caso das faltas serem injustificadas. No caso das faltas serem justificadas não há nenhuma aplicação de medida correctiva ou disciplinar. Por exemplo aquela aluna que ali falou que deu quatro faltas justificadas não tem nenhum problema com essas quatro faltas justificadas porque esteve doente. [...]
Quando um aluno está ausente [por] um período de tempo muito alargado, independentemente da razão, os professores têm que verificar qual é (sic) as aprendizagens que ele não fez [...] não para os penalizar mas para conseguir que eles tenham apoio, aulas de apoio, fichas de trabalho, etc. para recuperarem as aprendizagens que não fizeram. [...]
Nenhuma medida disciplinar pode ser aplicada a nenhum aluno por causa de faltas justificadas e as provas de recuperação assim chamadas no estatuto têm que ser feitas a alunos com ausências muito longas não têm em vista decidir sobre a reprovação ou não do aluno [mas] exclusivamente para que os professores obtenham informação sobre as aprendizagens não feitas e possam estabelecer os mecanismos de apoios necessários.
Artigo 22º do estatuto do aluno:
2 - Sempre que um aluno, independentemente da natureza das faltas, atinja um número total de faltas[...] deve realizar, logo que avaliados os efeitos da aplicação das medidas correctivas referidas no número anterior, uma prova de recuperação, na disciplina ou disciplinas em que ultrapassou aquele limite, competindo ao conselho pedagógico fixar os termos dessa realização.
3 - Quando o aluno não obtém aprovação na prova referida no número anterior, o conselho de turma pondera
a justificação ou injustificação das faltas dadas, o período lectivo e o momento em que a realização da
prova ocorreu e, sendo o caso, os resultados os resultados obtidos nas restantes disciplinas, podendo determinar:
a) O cumprimento de um plano de acompanhamento [...]
b) A retenção do aluno [...]
c) A exclusão do aluno [...]
Concluo:
1. Não percebo porque insiste Valter de Lemos em misturar as medidas disciplinares ou correctivas com a questão das faltas. Existe uma ténue ligação (artigo 22.1 com o artigo 26) mas lendo o artigo 26 não se vislumbra o que é que isto tem a ver com faltas. Talvez a alínea c) do nº 2 esteja, com boa vontade, relacionada.
2. Faltas justificadas têm consequências. Valter de Lemos, apesar da insistência para repetir com o intuito de informar, não disse o que está na lei. Ou mentiu ou não sabe o que diz o Estatuto do Aluno.
3. Face ao posto no ponto 2, tenho que duvidar da honestidade das restantes declarações de Valter de Lemos.
Finalmente, ainda sobre o estatuto do aluno, mais umas considerações:
1. Um aluno que falte intermitentemente durante o ano (até “tapar”) e que acabe por exceder o limite de faltas acaba por ter que fazer a dita prova. Possivelmente não existirá razão para isso.
2. Isto com reuniões para a frente e para trás, chamar pais, reuniões para decidir a aplicação de medidas correctivas, respectiva aplicação, reuniões para analisar o seu resultado, provas de recuperação, planos de acompanhamento, … Bom, isto faz-me lembrar aquele sketch dos Gato Fedorento “O Papel”. Enfim, algo kafkiano. Aceito o princípio subjacente mas caramba é mesmo preciso vir com o esplendor da burocracia?
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