DEBATE SOBRE NADA
Foi aprovado o Orçamento.
Logo veremos, em 2009, a sua consistência e a adequação aos tempos de crise. O debate poderia ter sido um momento propício para uma reflexão séria sobre a crise internacional e nacional. Mas não foi. A chicana é hoje o supra-sumo do pensamento político e da retórica parlamentar. Ministros e deputados aos berros, troca de culpas e de acusações fúteis: o espectáculo não faz bem à cabeça de ninguém. Sobretudo à dos que lá estão. A superioridade moral da oposição é detestável. Uns disseram mesmo que a crise portuguesa é de exclusiva responsabilidade do Primeiro-ministro e do Governo! A auto-satisfação convencida do Governo é abominável. Nunca argumenta, decreta!
O governo continua a distribuir Magalhães, na convicção, fingida ou não, de que com tal gesto está a estimular a alfabetização, a cultura, a curiosidade intelectual, o espírito profissional, a capacidade científica e a criatividade nacional. Será que nas áreas do governo e do partido não há ninguém que explique que isso não acontece assim?
Segundo a OCDE, o abandono escolar na União Europeia foi, em 2007, de cerca de 15 por cento. Portugal, com 36,3 por cento, tem a taxa mais alta. Mais de um terço da população entre 18 e 24 anos não completou a escola e não frequenta cursos de formação profissional. Só 13 por cento da população activa adulta completou o ensino secundário e perto de 57 por cento apenas terminaram o primeiro ciclo do básico.
Ainda segundo a OCDE e um estudo de Susana Jesus Santos (do banco BPI), a distribuição dos tempos de aulas nas escolas, para alunos de 9 a 11 anos, mostra como a juventude portuguesa está orientada. Em Portugal, a leitura (e o português) ocupa 11 por cento do tempo de aulas. Na União Europeia, 25. Em Portugal, a Matemática ocupa 12 por cento. Na União Europeia, 17.
Que é que o Magalhães tem a ver com isto?
Nada.
Absolutamente nada!
Segundo os trabalhos de rotina do INE e da União Europeia, o clima económico em Portugal nunca esteve, desde há dezoito anos, tão baixo como agora. Trabalhos semelhantes sugerem que as expectativas dos consumidores atingiram o mais baixo ponto desde há cinco anos.
O crescimento da economia e do produto tem vindo a diminuir todos os dias. Diminui na realidade dos factos, assim como nas estatísticas. O governo (o mais optimista...), o Banco de Portugal, a União Europeia, a OCDE e o FMI publicam regularmente as suas previsões para 2008 e 2009, baixando sempre as taxas estimadas. Em princípio, Portugal aproxima-se do zero e de taxas negativas (menos 0,2 por cento em 2009, por enquanto...) Há praticamente oito anos que o país tem visto aumentar o atraso relativamente às médias europeias.
O desemprego a subir e a atingir níveis desconhecidos há anos. A prometer ainda mais nos próximos tempos. Mais uma vez, os números são controversos: Governo, INE, Banco de Portugal, OCDE, UE e CGTP oferecem estimativas diferentes. Mas num só sentido: desemprego a aumentar.
O endividamento público líquido é de mais de 140 mil milhões de euros, muito perto dos 100 por cento do produto. Só os juros anuais pagos por essa dívida serão de cerca de 8 mil milhões de euros. Talvez 6 por cento do produto.
O défice orçamental ultrapassou as previsões, assim como as metas nacionais e europeias, tendo agora o governo de, ao contrário do que sempre afirmou, recorrer a receitas extraordinárias, no valor de mil milhões de euros, para respeitar o patamar imposto de 2,2 por cento.
O défice da Caixa Geral de Aposentações (funcionários públicos e equiparados) será, em 2008, superior a 3 mil milhões de euros, cerca de 2 por cento do produto. Era, em 2005, de 1,5 mil milhões.
Os últimos números disponíveis revelam que a emigração portuguesa retomou e faz agora lembrar alguns anos da década de sessenta. Nessa altura, a emigração era muita, mas o crescimento económico também. Hoje, a emigração é grande, mas o crescimento económico estagna. Calcula-se em cerca de 60.000 a 70.000 o número de portugueses que vão trabalhar para Espanha todos os dias ou todas as semanas, além de dezenas de milhares que já se estabeleceram definitivamente no país do lado. Com a crise económica espanhola, esperam-se tempos difíceis.
O número de imigrantes estrangeiros em Portugal está a diminuir e muitos dos que aqui viveram uns anos já se foram embora. O problema é que não são substituídos: ou não deixam postos de trabalho vagos, porque estes são extintos, ou não há portugueses que queiram ocupá-los.
As estatísticas demográficas continuam a revelar números que nos obrigariam a reflectir, mas essa não parece ser uma inclinação das autoridades. O número de óbitos já é superior ao número de nascimentos. O envelhecimento é muito rápido. A esperança de vida cresce. O número de pessoas com mais de 65 anos já é muito superior ao de jovens. E não se trata apenas de um problema de força de trabalho. Os gastos com as reformas e pensões aumentam na vertical. Mais: os custos da saúde e dos cuidados com idosos em dependência, nos últimos três ou quatro anos de vida, são iguais a toda a despesa verificada durante os 60 ou 70 anos de vida. É lógico, natural e assim terá de ser, mas a pressão criada sobre as finanças da segurança social é enorme.
Esta semana, em Viseu, numa conferência organizada pela Associação Portuguesa de Seguradores, Eugénio Ramos, especialista em questões da segurança social, resumiu em poucas palavras o que nos espera: Vamos viver mais, trabalhar mais e ganhar menos. Disto, o orçamento não fala. Nem o Parlamento.
Apostila: O julgamento dito da Casa Pia chega ao fim. Cada um terá a sua ideia. Não deve haver um português que não tenha uma certeza sobre os eventuais culpados e inocentes. Veremos brevemente o que pensam os juízes. De qualquer modo, é com tristeza que se verifica que o principal culpado nunca foi julgado e nunca o será. Refiro-me à Casa Pia, como instituição. A muitos dos seus dirigentes. A vários dos ministros, secretários de Estado e Directores-gerais que exerceram a tutela. É sabido que algumas dessas pessoas tiveram informações sobre o que se passava, mas não quiseram saber ou não puderam agir. Parece mesmo que alguns arquivaram informações e relatórios. Por outro lado, a estrutura, o modo de organização, a dimensão e o espírito daquela casa deveriam ser discutidos e postos em causa. A Casa Pia deveria, creio, ter sido extinta. E os seus alunos distribuídos por várias instituições. Quando se pode extinguir o Inferno, não basta condenar alguns diabos.
António Barreto
Público
30 de Novembro de 2008
Logo veremos, em 2009, a sua consistência e a adequação aos tempos de crise. O debate poderia ter sido um momento propício para uma reflexão séria sobre a crise internacional e nacional. Mas não foi. A chicana é hoje o supra-sumo do pensamento político e da retórica parlamentar. Ministros e deputados aos berros, troca de culpas e de acusações fúteis: o espectáculo não faz bem à cabeça de ninguém. Sobretudo à dos que lá estão. A superioridade moral da oposição é detestável. Uns disseram mesmo que a crise portuguesa é de exclusiva responsabilidade do Primeiro-ministro e do Governo! A auto-satisfação convencida do Governo é abominável. Nunca argumenta, decreta!
O governo continua a distribuir Magalhães, na convicção, fingida ou não, de que com tal gesto está a estimular a alfabetização, a cultura, a curiosidade intelectual, o espírito profissional, a capacidade científica e a criatividade nacional. Será que nas áreas do governo e do partido não há ninguém que explique que isso não acontece assim?
Segundo a OCDE, o abandono escolar na União Europeia foi, em 2007, de cerca de 15 por cento. Portugal, com 36,3 por cento, tem a taxa mais alta. Mais de um terço da população entre 18 e 24 anos não completou a escola e não frequenta cursos de formação profissional. Só 13 por cento da população activa adulta completou o ensino secundário e perto de 57 por cento apenas terminaram o primeiro ciclo do básico.
Ainda segundo a OCDE e um estudo de Susana Jesus Santos (do banco BPI), a distribuição dos tempos de aulas nas escolas, para alunos de 9 a 11 anos, mostra como a juventude portuguesa está orientada. Em Portugal, a leitura (e o português) ocupa 11 por cento do tempo de aulas. Na União Europeia, 25. Em Portugal, a Matemática ocupa 12 por cento. Na União Europeia, 17.
Que é que o Magalhães tem a ver com isto?
Nada.
Absolutamente nada!
Segundo os trabalhos de rotina do INE e da União Europeia, o clima económico em Portugal nunca esteve, desde há dezoito anos, tão baixo como agora. Trabalhos semelhantes sugerem que as expectativas dos consumidores atingiram o mais baixo ponto desde há cinco anos.
O crescimento da economia e do produto tem vindo a diminuir todos os dias. Diminui na realidade dos factos, assim como nas estatísticas. O governo (o mais optimista...), o Banco de Portugal, a União Europeia, a OCDE e o FMI publicam regularmente as suas previsões para 2008 e 2009, baixando sempre as taxas estimadas. Em princípio, Portugal aproxima-se do zero e de taxas negativas (menos 0,2 por cento em 2009, por enquanto...) Há praticamente oito anos que o país tem visto aumentar o atraso relativamente às médias europeias.
O desemprego a subir e a atingir níveis desconhecidos há anos. A prometer ainda mais nos próximos tempos. Mais uma vez, os números são controversos: Governo, INE, Banco de Portugal, OCDE, UE e CGTP oferecem estimativas diferentes. Mas num só sentido: desemprego a aumentar.
O endividamento público líquido é de mais de 140 mil milhões de euros, muito perto dos 100 por cento do produto. Só os juros anuais pagos por essa dívida serão de cerca de 8 mil milhões de euros. Talvez 6 por cento do produto.
O défice orçamental ultrapassou as previsões, assim como as metas nacionais e europeias, tendo agora o governo de, ao contrário do que sempre afirmou, recorrer a receitas extraordinárias, no valor de mil milhões de euros, para respeitar o patamar imposto de 2,2 por cento.
O défice da Caixa Geral de Aposentações (funcionários públicos e equiparados) será, em 2008, superior a 3 mil milhões de euros, cerca de 2 por cento do produto. Era, em 2005, de 1,5 mil milhões.
Os últimos números disponíveis revelam que a emigração portuguesa retomou e faz agora lembrar alguns anos da década de sessenta. Nessa altura, a emigração era muita, mas o crescimento económico também. Hoje, a emigração é grande, mas o crescimento económico estagna. Calcula-se em cerca de 60.000 a 70.000 o número de portugueses que vão trabalhar para Espanha todos os dias ou todas as semanas, além de dezenas de milhares que já se estabeleceram definitivamente no país do lado. Com a crise económica espanhola, esperam-se tempos difíceis.
O número de imigrantes estrangeiros em Portugal está a diminuir e muitos dos que aqui viveram uns anos já se foram embora. O problema é que não são substituídos: ou não deixam postos de trabalho vagos, porque estes são extintos, ou não há portugueses que queiram ocupá-los.
As estatísticas demográficas continuam a revelar números que nos obrigariam a reflectir, mas essa não parece ser uma inclinação das autoridades. O número de óbitos já é superior ao número de nascimentos. O envelhecimento é muito rápido. A esperança de vida cresce. O número de pessoas com mais de 65 anos já é muito superior ao de jovens. E não se trata apenas de um problema de força de trabalho. Os gastos com as reformas e pensões aumentam na vertical. Mais: os custos da saúde e dos cuidados com idosos em dependência, nos últimos três ou quatro anos de vida, são iguais a toda a despesa verificada durante os 60 ou 70 anos de vida. É lógico, natural e assim terá de ser, mas a pressão criada sobre as finanças da segurança social é enorme.
Esta semana, em Viseu, numa conferência organizada pela Associação Portuguesa de Seguradores, Eugénio Ramos, especialista em questões da segurança social, resumiu em poucas palavras o que nos espera: Vamos viver mais, trabalhar mais e ganhar menos. Disto, o orçamento não fala. Nem o Parlamento.
Apostila: O julgamento dito da Casa Pia chega ao fim. Cada um terá a sua ideia. Não deve haver um português que não tenha uma certeza sobre os eventuais culpados e inocentes. Veremos brevemente o que pensam os juízes. De qualquer modo, é com tristeza que se verifica que o principal culpado nunca foi julgado e nunca o será. Refiro-me à Casa Pia, como instituição. A muitos dos seus dirigentes. A vários dos ministros, secretários de Estado e Directores-gerais que exerceram a tutela. É sabido que algumas dessas pessoas tiveram informações sobre o que se passava, mas não quiseram saber ou não puderam agir. Parece mesmo que alguns arquivaram informações e relatórios. Por outro lado, a estrutura, o modo de organização, a dimensão e o espírito daquela casa deveriam ser discutidos e postos em causa. A Casa Pia deveria, creio, ter sido extinta. E os seus alunos distribuídos por várias instituições. Quando se pode extinguir o Inferno, não basta condenar alguns diabos.
António Barreto
Público
30 de Novembro de 2008
Etiquetas: José Sócrates, Orçamento de Estado, Partido Socialista, Portugal, Portugal um País de Bananas Governado por Sacanas, Teixeira dos Santos
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