O JOGO DO GO
Parece que o mais antigo jogo é o GO, de origem asiática. Os entendidos incluem-no na categoria dos jogos estratégicos. Não é tão curioso quanto o xadrez, mas é muito interessante. E viciante. Joga-se em cima de um grande tabuleiro, com 324 quadrados, formados por 19 linhas horizontais e outras tantas verticais. Cada jogador tem à sua disposição umas dezenas de pastilhas ou pedras, do tipo das damas, em mais pequeno. Vão-se colocando as pedras nas intersecções das linhas perpendiculares. O objectivo, para cada concorrente, consiste em ocupar o terreno, o que se obtém colocando as suas pastilhas ao lado umas das outras, de forma a criar um espaço contínuo; e, em consequência, a capturar pedras inimigas feitas reféns, o que se alcança cercando-as e retirando-lhes as liberdades, isto é, as possibilidades de ter pedras ligadas. A técnica essencial é a de cercar o inimigo. Cada vez que se consegue cercar e neutralizar as pastilhas do adversário, este vai perdendo terreno, isto é, perde pedras. Parece simples, mas não é. Um dos pormenores mais interessantes é a permanente inversão possível da relação de forças. Quem cerca pode encontrar-se cercado de um momento para o outro. Os espaços vazios ficam rapidamente cheios. Os territórios conquistados perdem-se com facilidade. Quem manda passa a súbdito. Quem domina converte-se, repentinamente, em refém.
As regras do GO parecem aplicar-se, não só como metáfora, ao grande jogo dos poderes político e financeiro português. Com uma ressalva: o jogo é grande, mas o poder financeiro é parco e o poder político frágil. Desde que a crise se instalou, o Estado avançou. Não como ameaça, como nos anos gloriosos das revoluções, mas como assistente, garagista e serviço de urgências. Tomou conta de uns bancos e criou almofadas para umas empresas. A escolha é difícil, tantas são as que se encontram em situação precária, para já não dizer mortas, mas algum critério se arranjará. Umas vezes, o Estado evitou e adiou falências ou amparou falidos. Outras vezes, deu garantias aos bancos. Em poucas palavras, o Estado instalou-se. Pretende estimular o crédito. Sem êxito aparente, pois não há dinheiro, há risco a mais e os spreads são altíssimos. Algumas esquerdas estão felizes: acham que isto é uma espécie de socialismo. Outras esquerdas criticam, mas não escondem a satisfação de ver o Estado na economia: pode ser que venha para ficar. As direitas políticas não sabem muito bem o que dizer, limitam-se a discutir pormenores. Quanto aos empresários, apesar de sentimentos oscilantes, o alívio parece ser a regra. O Estado ajuda a empresa privada e a banca tem alguns recursos. Em resumo, o Estado ajuda os capitalistas, algo com que sempre sonharam muitos dos os nossos empresários.
O entusiasmo e o alívio, relativo, que muitos revelam, não chegam para esbater uma outra inquietação: e a seguir? Quem e quando se vai pagar isto? Desde quando deitar dinheiro para cima dos problemas os resolve? Este ano, o endividamento vai ultrapassar os 160 mil milhões, mais de 100 por cento do produto. E o serviço dessa dívida continua a galopar, até porque o dinheiro internacional está cada vez mais caro. É mesmo possível que Portugal, em breve, por este andar, não arranje mais financiamentos.
Por outro lado, o modo como esses dinheiros estão a ser usados levanta cada dia mais questões. Para que servem? Quem servem? Como serão pagos e reembolsados? Por quem? Estas perguntas não têm resposta. O Parlamento não soube organizar, entre os partidos, uma plataforma capaz de cuidar destes aspectos. O governo, auto-suficiente, nada quer ou pode esclarecer. O mais provável é que não consiga, mesmo que quisesse: não sabe! Ponto final. O ideal era ir resolvendo casos, à medida, sem que ninguém faça perguntas inconvenientes.
Finalmente, a Caixa Geral de Depósitos surgiu, no meio desta desordem, como a bóia e o oxigénio de toda a gente. Realizou operações estranhas, certamente todas legais, mas que, do ponto de vista político, financeiro, empresarial e social, causaram a maior das perplexidades. Já muito antes da crise do Outono, a Caixa patrocinou curiosos movimentos de envolvimento e interferência noutros bancos e grandes empresas de serviço e de mercadorias estratégicas. Momentos houve em que não se percebia muito bem se a Caixa era, como diz o lugar-comum, o braço armado do Estado ou a divisão de comandos dos grupos económicos mais predadores do país. Tudo foi feito sem escrutínio seguro e isento. A ponto de ser legítima a pergunta inevitável: quem regula a Caixa? O Banco de Portugal? O Governo? O accionista? O que a Caixa tem feito é muito diferente do que teria feito o BPP? As suas técnicas de acção financeira, incompreensíveis para o cidadão informado, são legítimas? Configuram a certeza da boa gestão da empresa e do património público?
O que a Caixa fez e tem feito só tem duas explicações. Alternativas. Ou é tão sofisticado e talentoso que quase ninguém percebe, incluindo economistas, banqueiros, empresários e comentadores, pelo que merece admiração. Ou simplesmente provoca calafrios. A verdade é que parece ser esta última a hipótese mais provável. As centenas de milhões de euros emprestados para fins especulativos e de manipulação da estrutura de poder em certos grupos e empresas estão hoje em causa ou, quem sabe, foram perdidas. Com a crise da banca e do crédito, com a crise financeira e da bolsa, com a recessão financeira e económica, as fragilidades dos especuladores e das operações discutíveis vieram ao de cima. Com essas fragilidades, surgiram também em pleno dia as fraudes, as irregularidades, os abusos, os vícios e os favores cometidos em várias empresas e por vários operadores, agora todos a coberto da Caixa e do Estado. Os percursos cruzados de dirigentes entre o Estado, a Caixa, a banca privada e algumas grandes empresas denotam, por um lado, a promiscuidade, mas, por outro, a enorme fragilidade de toda esta estrutura alimentada e escorada pelos contribuintes. A Caixa parece-se cada vez mais com um verdadeiro pagador de promessas. A entidade reguladora nada diz. O accionista da Caixa (por acaso, o Estado) mantém-se silencioso. O Governo nega responsabilidades. Toda a gente pergunta pela natureza, funções e finalidades do banco de Estado, o maior do sistema financeiro. Ninguém responde. O Governo diz que não se envolve nestas colossais operações que envolveram os cimentos, as telecomunicações, a construção, as obras púbicas, o imobiliário e a banca. A ponto de nos perguntarmos, legitimamente, para que serve um banco de Estado.
A jogada do GO chegou ao fim. Depois de ter cercado, a Caixa ficou refém. Quer dizer, o Estado ficou refém.
As regras do GO parecem aplicar-se, não só como metáfora, ao grande jogo dos poderes político e financeiro português. Com uma ressalva: o jogo é grande, mas o poder financeiro é parco e o poder político frágil. Desde que a crise se instalou, o Estado avançou. Não como ameaça, como nos anos gloriosos das revoluções, mas como assistente, garagista e serviço de urgências. Tomou conta de uns bancos e criou almofadas para umas empresas. A escolha é difícil, tantas são as que se encontram em situação precária, para já não dizer mortas, mas algum critério se arranjará. Umas vezes, o Estado evitou e adiou falências ou amparou falidos. Outras vezes, deu garantias aos bancos. Em poucas palavras, o Estado instalou-se. Pretende estimular o crédito. Sem êxito aparente, pois não há dinheiro, há risco a mais e os spreads são altíssimos. Algumas esquerdas estão felizes: acham que isto é uma espécie de socialismo. Outras esquerdas criticam, mas não escondem a satisfação de ver o Estado na economia: pode ser que venha para ficar. As direitas políticas não sabem muito bem o que dizer, limitam-se a discutir pormenores. Quanto aos empresários, apesar de sentimentos oscilantes, o alívio parece ser a regra. O Estado ajuda a empresa privada e a banca tem alguns recursos. Em resumo, o Estado ajuda os capitalistas, algo com que sempre sonharam muitos dos os nossos empresários.
O entusiasmo e o alívio, relativo, que muitos revelam, não chegam para esbater uma outra inquietação: e a seguir? Quem e quando se vai pagar isto? Desde quando deitar dinheiro para cima dos problemas os resolve? Este ano, o endividamento vai ultrapassar os 160 mil milhões, mais de 100 por cento do produto. E o serviço dessa dívida continua a galopar, até porque o dinheiro internacional está cada vez mais caro. É mesmo possível que Portugal, em breve, por este andar, não arranje mais financiamentos.
Por outro lado, o modo como esses dinheiros estão a ser usados levanta cada dia mais questões. Para que servem? Quem servem? Como serão pagos e reembolsados? Por quem? Estas perguntas não têm resposta. O Parlamento não soube organizar, entre os partidos, uma plataforma capaz de cuidar destes aspectos. O governo, auto-suficiente, nada quer ou pode esclarecer. O mais provável é que não consiga, mesmo que quisesse: não sabe! Ponto final. O ideal era ir resolvendo casos, à medida, sem que ninguém faça perguntas inconvenientes.
Finalmente, a Caixa Geral de Depósitos surgiu, no meio desta desordem, como a bóia e o oxigénio de toda a gente. Realizou operações estranhas, certamente todas legais, mas que, do ponto de vista político, financeiro, empresarial e social, causaram a maior das perplexidades. Já muito antes da crise do Outono, a Caixa patrocinou curiosos movimentos de envolvimento e interferência noutros bancos e grandes empresas de serviço e de mercadorias estratégicas. Momentos houve em que não se percebia muito bem se a Caixa era, como diz o lugar-comum, o braço armado do Estado ou a divisão de comandos dos grupos económicos mais predadores do país. Tudo foi feito sem escrutínio seguro e isento. A ponto de ser legítima a pergunta inevitável: quem regula a Caixa? O Banco de Portugal? O Governo? O accionista? O que a Caixa tem feito é muito diferente do que teria feito o BPP? As suas técnicas de acção financeira, incompreensíveis para o cidadão informado, são legítimas? Configuram a certeza da boa gestão da empresa e do património público?
O que a Caixa fez e tem feito só tem duas explicações. Alternativas. Ou é tão sofisticado e talentoso que quase ninguém percebe, incluindo economistas, banqueiros, empresários e comentadores, pelo que merece admiração. Ou simplesmente provoca calafrios. A verdade é que parece ser esta última a hipótese mais provável. As centenas de milhões de euros emprestados para fins especulativos e de manipulação da estrutura de poder em certos grupos e empresas estão hoje em causa ou, quem sabe, foram perdidas. Com a crise da banca e do crédito, com a crise financeira e da bolsa, com a recessão financeira e económica, as fragilidades dos especuladores e das operações discutíveis vieram ao de cima. Com essas fragilidades, surgiram também em pleno dia as fraudes, as irregularidades, os abusos, os vícios e os favores cometidos em várias empresas e por vários operadores, agora todos a coberto da Caixa e do Estado. Os percursos cruzados de dirigentes entre o Estado, a Caixa, a banca privada e algumas grandes empresas denotam, por um lado, a promiscuidade, mas, por outro, a enorme fragilidade de toda esta estrutura alimentada e escorada pelos contribuintes. A Caixa parece-se cada vez mais com um verdadeiro pagador de promessas. A entidade reguladora nada diz. O accionista da Caixa (por acaso, o Estado) mantém-se silencioso. O Governo nega responsabilidades. Toda a gente pergunta pela natureza, funções e finalidades do banco de Estado, o maior do sistema financeiro. Ninguém responde. O Governo diz que não se envolve nestas colossais operações que envolveram os cimentos, as telecomunicações, a construção, as obras púbicas, o imobiliário e a banca. A ponto de nos perguntarmos, legitimamente, para que serve um banco de Estado.
A jogada do GO chegou ao fim. Depois de ter cercado, a Caixa ficou refém. Quer dizer, o Estado ficou refém.
António Barreto
Público
1 de Março de 2009
Etiquetas: CGD, Portugal, Portugal um País de Bananas Governado por Sacanas
10 Comentários:
Finos = Ladrões
Finos = Vigaristas
Finos = Exploradores de Operários
Resumindo:
Finos = A GRANDES FILHOS DA PUTA DESTA CIDADE.
Portugal tornou-se numa enorme plateia do banquete do socialismo parasita.
Entre aplausos dos comensais,
encómios dos que lambem as migalhas e indiferença dos que lhes pagam os bifes do lombo,não tenho a certeza de quem merece mais censura.
O privilégio é evidente
nesta trapalhada com acções,
este negócio displicente
deixa-nos justificadas interrogações.
Há dúvidas que subsistem
sem serem esclarecidas,
o pecado original omitem
com divagações torcidas.
O mexilhão comido
por tantos gestores ajanotados,
sente-se miseravelmente embaído
por estes negócios mal contados!
Tal é a confusão
neste caótico tabuleiro,
este mundo de ilusão
baseia-se num capitalismo trapaceiro.
O mexilhão confundido
no meio desse jogo milenar,
tem sido iludido
com esta gente a (des)governar!
No JN, a crónica de Manuel António Pina, de um humor sardónico, quase swifteano. Provavelmente, não será apenas o problema do furto das duas galinhas que leva o autor a julgamento. Mas o que importa é o sub-texto da crónica que merece relevo, por estar debaixo de. De qualquer coisa que todos pressentem.
Noticia o JN que está marcado para o dia 20 de Abril, no Tribunal da Maia, o julgamento de um homem que, em 2007, terá arrombado um galinheiro e furtado duas galinhas no valor de 50 euros.
A Justiça tarda, mas chega. O criminoso andou mal e merece justa punição, quer pela mediocridade de fins quer pela ruralidade de meios.
Gente como ele, que pilha galinhas em vez de fundar um banco e pilhar as contas dos depositantes, ou como aquela septuagenária que não pagou uma pasta de dentes num supermercado em vez de pedir uns milhões à Caixa, comprar o supermercado na bolsa e igualmente não o pagar, vendendo-o depois à Caixa através de um "offshore" pelo dobro do preço (ou vendendo-lho mesmo antes de o ter comprado), não tem lugar no Portugal moderno e empreendedor.
Ainda por cima, deixou-se apanhar. Se calhar, até confessou, em vez de invocar lapsos de memória.
E aposto que nem se lembrou de se divorciar antes de ser preso, pondo os 50 euros a salvo na partilha de bens.
Não queria estar na pele do seu advogado, não há Código de Processo Penal que valha a um caso destes. É condenação mais que certa.
O debate de 2 de Março no "Prós e Contras" foi uma primeira oportunidade concedida à CGD para tentar explicar o inexplicável: o mau negócio realizado com a Investifino. Vamos aos pontos relevantes que pontuaram no discurso do dr. Jorge Tomé (administrador da CGD).
1) Afirmou a CGD que "nunca o cliente (a Investifino) entrou em incumprimento por falta de pagamento do capital e dos juros. E que a operação de compra das acções obedeceu apenas à necessidade de repor o rácio de cobertura."
Ora, vamos lá ver se nos entendemos.
Os rácios de cobertura servem para prevenir situações de "default" (incumprimento).
Portanto, se a CGD sentiu a necessidade de aumentar esse mesmo rácio, significa que o devedor estava próximo de entrar em incumprimento.
Provavelmente, na prática, estaria já insolvente.
2) Afirmou a CGD que "o prémio pago sobre a cotação oficial se justificava pelo facto de se tratar de uma posição (10% na Cimpor) de charneira, ou seja, trata-se de um posição que obriga os restantes accionistas a entenderem-se com a CGD" sempre que se justificar em matéria de gestão da Cimpor.
Muito bem, mas então eu coloco a seguinte questão: se esse argumento serve por um lado, tem também de servir por outro, ou seja, o que é que acontece se a CGD quiser intervir na gestão da empresa?
Presumo que também se terá de entender com os demais, ou não?! Se assim for, como parece ser, conclui-se que a CGD pagou um prémio que, além de exceder qualquer valor razoável de mercado e menosprezar a sua posição negocial, também não se justifica pelo argumento da posição de charneira porque a estrutura accionista da Cimpor está de tal forma engatilhada que ninguém tem, efectivamente, qualquer posição de controlo por si só.
3) Afirma a CGD que "se tivesse de vender os 10 ou 20% da Cimpor (penhorados à Investifino) em mercado cotado provocaria um enorme abalo na sua cotação em bolsa, deprimindo ainda mais o seu valor."
Mas quem é que falou nisso?! Quando os críticos referem que a CGD devia ter executado as acções ao preço de mercado de então - e não ao preço de mercado acrescido do generoso prémio -, não me recordo de ninguém, minimamente especializado, sugerir que o fizesse despejando os títulos no mercado e vendendo-os ao melhor!?! Eu certamente que não o fiz. Aquilo que sugeri, e que mantenho, era que a CGD se apoderasse das acções até ao limite do empréstimo em falta, numa transacção realizada à margem do mercado cotado, tendo como intervenientes únicos a própria CGD e o grupo Investifino.
É aquilo a que os especialistas designam como uma transacção "over the counter".
De resto, utilizando a mesma analogia referida no debate, a do particular que tem um crédito à habitação e que entra em incumprimento, eu pergunto: quando isso acontece, por acaso existe a obrigatoriedade do banco pegar nessas casas e as despachar de imediato?
Não.
Foi, aliás, isso que o dr. Silva Lopes referiu e bem.
Em suma, os argumentos da CGD não me satisfazem.
O negócio foi mau e privilegiou um cliente, em detrimento de um banco que pertence a todos nós.
Quanto à ideia do pecado original, ou seja, a noção de que o empréstimo inicial nunca devia ter sido realizado, concordo a 100%. Não invalida o mau negócio que a actual administração fez, mas de certo modo iliba-a de maiores responsabilidades.
Por isso, é que tanto Faria de Oliveira como Santos Ferreira (à data o presidente do conselho de administração da CGD e, porventura, o maior responsável de toda esta trapalhada) terão de prestar mais esclarecimentos acerca deste assunto.
Com o prato por limpar
tamanha é a camada de gordura,
com a peneira pretendem tapar
uma rocambolesca queimadura.
O mexilhão queimado
por estes casos tão nebulosos,
vê o seu dinheiro carbonizado
por estes negócios vergonhosos!
«A Caixa deve prosseguir objectivos que têm a ver com o bom desempenho da economia nacional e não dos interesses políticos do Governo nacional. Mas o Governo (qualquer Governo), para gastar o nosso dinheiro, que o faça de forma aberta e não de forma encapotada; para favorecer capitalistas, que o Governo o faça com responsabilização política e não escondendo-se atrás de uma administração dita independente.»
Luís Campos e Cunha
Público
6 de Março de 2009
Hoje, madrugada dentro, Faria de Oliveira, o ex-ministro de Cavaco e actual presidente da Caixa, esteve no parlamento a explicar através de um longo monólogo de mais de meia-hora, como aquele negócio com o sr. Fino foi uma coisa bestial para o banco público.
A táctica de falar muito, empastelar, entrar em citações técnicas, resultou: perante tal maçada é difícil resistir ao tédio.
Chama-se a isto matar o adversário por cansaço.
O essencial da questão é só isto: pode um banco público emprestar dinheiro para um cliente jogar na bolsa usando essas ou outras acções como garantia?
O Senhor Faria de Oliveira responde que deve haver sigilo bancário, e que ninguém tem nada a ver com isso.
Fantástico !
Hoje também tive de entrar num balcão de uma Caixa na cidade para requisitar um livro de cheques da conta do meu condomínio.
Já não ia a uma dependência da caixa desde 1990, ano em que passei as minhas contas para o então BCP.
O atendimento da Caixa é uma desgraça.
Há uma confusão total, tira-se uma senha à moda da função pública, as caixas automáticas não dão cheques, os depósitos automáticos fazem-se atirando para dentro de uma caixa por uma ranhura. Tresanda tudo a burocracia e percebe-se: aquilo não tem um funcionamento moderno, baseado no online, os clientes geralmente idosos vão para ali e só lhes falta fazerem psicoterapia com os empregados.
É esta a instituição bancária-modeo do nosso Estado, uma instituição que devia ser a nossa caixa-forte e afinal revela falhas imperdoáveis para com os clientes diários e muito polémicas nas suas grandes operações.
Mas meus caros: enquanto esperei meia-hora para ser atendido numa das televisões penduradas na parede, passava o canal CGD (não sei se se chamará assim) com uns gestores e directores a falarem da grande obra benemérita da Caixa ao contribuir com uma verba para estudar a redução de ozono no Polo Norte (ou por ali perto!).
Isto não é de ficar de boca à banda ?
Ou estou maluco ?
ACCOUNTABILITY
Sempre fui dos que defenderam que a Caixa Geral de Depósitos (CGD) deveria permanecer em mãos públicas. Espero não ser obrigado a rever a minha posição.
A CGD em mãos públicas justificava-se facilmente quando tínhamos moeda própria. A Caixa era uma instituição sólida e tinha as costas quentes do seu accionista, o Estado. Em períodos de turbulência, que eram frequentes com o escudo como moeda, a Caixa era o banco de refúgio que facilmente daria a liquidez aos bancos que dela necessitassem. Era uma rocha onde se ancorava o sistema.
Com o euro tal efeito ficou muito diluído. Aliás, em mercado único e sob as regras europeias é difícil de justificar empresas de capitais públicos. Se são empresas em concorrência, como é o sector bancário, o facto de ser pública não lhe pode conferir especiais direitos, nem o Estado a pode utilizar para proveito próprio em detrimento ou distorcendo a concorrência. Ou seja, se não confere especiais direitos ao Estado, para além de accionista, e se se tem de comportar como empresa privada, para quê uma CGD pública? Porque não privatizá-la?
Este Governo, sem qualquer prurido e sem qualquer discussão, privatizou a REN (Rede Eléctrica Nacional); porquê manter a CGD? Desde logo, o facto da REN ser monopólio natural levaria a melhores argumentos para a manter em mãos públicas. Mas as contas públicas que ainda não estavam em ordem (e hoje muito menos), exigiam a privatização da REN: o Estado estava em estado de necessidade. Porque não privatizar a Caixa? Continuo a pensar que não deve ser privatizada, mas tem de mudar de rumo e de governo.
O financiamento de guerras empresariais privadas, por aparente conveniência ou hipotético interesse governamental, têm sido muito mal explicados. Cada resposta suscita mais perguntas.
De qualquer modo, tenho dificuldade em imaginar boas razões para a Caixa andar envolvida em guerras de controle accionista de empresas privadas. Pouca imaginação a minha. Mas se havia algum interesse público, a operação de apoio deveria ser realizada fora da CGD, com dinheiros do orçamento. Se não havia interesse público, a Caixa deveria ficar de fora, por maioria de razão.
Os negócios mais recentes têm sido justificados, em termos simples: "É bom para a Caixa porque é bom, sou eu que digo." E quando querem ir mais longe, as explicações não resistem a qualquer análise de um aluno meu. Basta comparar as declarações do ministro da tutela e do administrador da Caixa para ficar sem perceber nada. E não basta dizer que a CGD, no passado, teve grandes desempenhos, isso é passado e não fizeram mais que a sua obrigação; além disso, eu não sou accionista dos bancos privados, pelo que a sua putativa relativa ineficiência não me diz respeito. Naturalmente que um banco, público ou não, deve manter os seus acordos e contratos sob sigilo, o que implica que, no caso da CGD, o seu escrutínio público é, basicamente, impossível.
Mas a accountability é essencial para um Banco de capitais públicos. Venho, há muito, a argumentar que não há em português uma boa tradução de accountability: obrigação de prestar contas e responsabilização não são boas traduções. E não há uma boa palavra para accountability porque não necessitámos dela; não estamos habituados a exigir accountability, nem a governos, nem a jornais, nem a professores, nem à Caixa.
Como os contratos da Caixa não são para andar a ser discutidos em público, sob pena de não se realizarem, então outros mecanismos de governo têm de ser introduzidos.
No passado, o bom senso ou o nojo, mandou que os Governos entregassem a CGD a administradores próximos do partido da oposição. No tempo de Cavaco Silva, na CGD esteve Emílio Rui Vilar e no tempo de António Guterres foi nomeado João Salgueiro. E neste último caso, apesar do governador do Banco de Portugal ser António Sousa, pessoa da área do PSD. Esta regra, não sendo óptima, funcionava. Quem liderava a Caixa eram sempre pessoas de grande estatura técnica e moral e, o facto de serem próximas de outro partido, dificilmente fariam fretes ao Governo e impedia que o Governo tivesse o descaramento de os pedir.
Esta regra não escrita foi violada, pela primeira vez, por Manuela Ferreira Leite e, daí em diante, para a CGD são nomeadas pessoas próximas dos partidos maioritários ou que são vistas como não tendo o descaramento necessário para dizer não ao Governo.
O caldo entornou-se: a regra não escrita funcionaria bem em Inglaterra mas aqui não resistiu ao primeiro ímpeto controleiro.
A ideia de haver um conselho de supervisão (ou outro nome que se lhe dê) para a Caixa é uma boa ideia. Muitos a vinham a defender e, se bem percebi, foi formalmente proposta no Parlamento pelo CDS. Tal conselho, independente da administração e dos partidos poderia avaliar os actos mais importantes do banco público e avalizar (ou não) a sua acção, sem violar o sigilo dos contratos. O governo da CGD é uma questão difícil mas não é insuperável.Resta agora responder: será que a Caixa deve permanecer em mãos públicas ou, na melhor oportunidade, deve ser privatizada? A minha opinião é que a Caixa deve manter-se pública mas se, e só se, não se tornar num instrumento político do Governo. Para tal o Governo tem o orçamento. A CGD deve ser pública porque continua a ser importante haver um porta-aviões onde se encostem os navios mais pequenos e a crise actual mostrou que tal continua a ser importante, embora em moeda única.
A Caixa deve prosseguir objectivos que têm a ver com o bom desempenho da economia nacional e não dos interesses políticos do Governo nacional. Mas o Governo (qualquer Governo), para gastar o nosso dinheiro, que o faça de forma aberta e não de forma encapotada; para favorecer capitalistas, que o Governo o faça com responsabilização política e não escondendo-se atrás de uma administração dita independente. Obviamente que não estou a falar de nenhum caso que se tenha passado, são apenas questões de princípio.
Luis Campos e Cunha
No: Público de 6/03/09
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