domingo, 15 de março de 2009

AS PRÓXIMAS ELEIÇÕES

Para todos os efeitos, a campanha eleitoral começou. Vai ser longa. Penosa. E custar muito dinheiro. Nem será, a avaliar pelos precedentes e pelo clima actual, esclarecedora. São três eleições, sendo uma legislativa. Aparentemente, tudo está em causa. O governo precisa absolutamente de ganhar com maioria absoluta, sem o que averbará uma derrota. A esquerda socialista e Manuel Alegre vão tentar passar despercebidos. Manuela Ferreira Leite joga o seu futuro político. O PSD tem diante de si uma prova de vida. Se o Bloco ficar à frente do PP e do PCP, talvez comece um novo ciclo político. Muitos autarcas do PS e do PSD vão tentar afirmar e consolidar o seu poder local, mostrando-se indiferentes ao governo, ao Parlamento e aos partidos centrais. Tudo isto é muito interessante e vai animar as conversas. Mas quase tudo é irrelevante.

Mais do que nunca, ou mais do que a maior parte das vezes, a governabilidade está em causa. Mas sobretudo a capacidade para resistir a esta tremenda crise que a todos ameaça roer até aos ossos. É certo que parte da crise vem de fora. Mas também vem de dentro, do governo, da banca e dos empresários. Por gestos e omissões. Por terem acreditado em miragens. Por não terem previsto, nem terem preparado o país e as empresas para as dificuldades. E por se terem deixado envolver no clima de especulação e complacência. Agora, é tarde. O inevitável será pior do que se julga. E não há subsídios, garantias, benesses, Magalhães e obras que cheguem. A aspereza que se avizinha é tal que, sem governo forte, com visão, responsabilidade, duração e apoio, não se evitará o pior: a pobreza. Ainda por cima, o ambiente de imoralidade pública e privada em que se vive não é de molde a criar confiança.

A necessidade de maioria absoluta, de um só partido ou de uma coligação, é evidente. Uma legislatura completa é sempre útil, mas indispensável em tempos de crise. Já sabemos hoje que os quase trinta ministros em trinta anos na Educação, nas Finanças, na Saúde, nas Obras Públicas e outros ministérios foram causas de desgoverno. A estabilidade, cujo mérito está na moda negar, é um valor precioso. Resistir à crise económica e social dos próximos anos exige tenacidade na acção política. As grandes reformas do Estado e da Justiça, por exemplo, não ficam garantidas com uma maioria absoluta, como o governo de Sócrates demonstra. Mas não se fazem com governos curtos de transição e sem apoio parlamentar. Essas reformas, assim como os grandes projectos (TGV, aeroporto, barragens, energia, etc.) não podem ficar eternamente em discussão. Não se deve repetir Alqueva, projecto com mais de quarenta anos de existência e de vida atribulada, cujos custos se elevaram a várias vezes o previsto e o necessário.

Tudo leva a crer que não haja maioria absoluta de um só partido. O PS, cercado de todos os lados, fascinado com a sua propaganda e vítima da sua auto-suficiência, só por milagre lá chegará. O PSD, padecendo de uma flagrante insuficiência, nem por milagre. A crise social e económica tem vindo a fragmentar o eleitorado: nenhum partido conseguiu congregar em si a esperança ou a confiança numa resolução possível. Todos os partidos sabem isso. Mas todos vão negar a evidência. Por isso teremos direito aos mais banais lugares-comuns. Estão aí para ganhar e não colocam a hipótese de não alcançar a maioria. Recusarão sequer discutir a ideia de coligação. Não vão dizer com quem podem ou querem governar.

Não é honesto que o PS, em caso de necessidade, deixe em aberto todas as hipóteses: aliança de esquerda com o Bloco ou o PCP; com os dois; bloco central com o PSD; ou coligação oportunista com o PP. Como não é sério que os outros partidos, à direita ou à esquerda, deixem para depois dos resultados a decisão de participação no governo e a selecção do aliado. Todos terão argumentos marialvas para recusar dizer o que pensam e o que querem. Infelizmente, o eleitorado não tem meios de o exigir.

Apesar de existir uma enorme promiscuidade, a política portuguesa é particularmente crispada. Nas Câmaras, a cumplicidade entre partidos, autarcas e interesses pessoais é medonha. Nos grandes negócios de Estado e privados, a colaboração entre políticos dos dois grandes partidos, com a respectiva troca de favores e de influências, é assustadora. Este clima não tem tradução nas relações políticas formais entre partidos. O debate parlamentar é infantil, vive de zangas e berros. É enorme a dificuldade em fazer acordos parlamentares sobre o que importa. Ora, a crise económica e social, assim como as grandes reformas e os grandes projectos, exigem esses acordos. Não se trata de nenhuma forma camuflada de união nacional, nem de pacto de regime com o único objectivo de partilhar poderes e migalhas. Mas sim de acordo adulto e substantivo sobre alguns programas e projectos. Esse género de acordos só foi possível em condições excepcionais e por obrigação ditada de fora. Imposto pelos militares em 1975: foi o pacto entre o MFA e os partidos. Mais tarde, forçado pela União Europeia, com o pacto de estabilidade. A Aliança Democrática de 1980, financiada por empresários, e o Bloco Central de 1983, solução de recurso, foram frágeis e efémeros, não chegam a ser exemplos.

Acordos adultos e fundamentados, entre partidos ou entre partidos e organizações sociais, foram feitos em muitos países que, com isso, não viram diminuída a democracia. Pelo contrário, tiveram melhores condições para governar e enfrentar as crises. Fizeram-se na Alemanha, na Holanda, em Espanha ou na Itália. No Senado americano, há poucas semanas, efectuaram-se acordos importantes que permitiram o início de um programa de emergência. Até na União Europeia, na Comissão e no Parlamento, há indícios de cooperação séria entre partidos. Em todos estes exemplos, não houve mortes e feridos, os países souberam melhor resolver os seus problemas. Não parece, todavia, que os partidos portugueses estejam à altura das suas responsabilidades. Triste sina!


António Barreto
Público
15 de Março de 2009

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