RAZÕES
Manuela Ferreira Leite tem razão. Ela e o seu partido têm chamado a atenção para questões essenciais que o governo parece ocultar ou dar menos importância. Como, por exemplo, a economia produtiva, as pequenas e médias empresas, as famílias e os grupos sociais mais frágeis. Tem igualmente razão quando alude à carga fiscal, sobretudo das empresas, mas também das famílias. Muitas das suas sugestões foram anunciadas antes da crise financeira internacional se ter tornado pública, pesada e generalizada. Outras foram apresentadas imediatamente após os primeiros acontecimentos.
O governo, como todos os governos, mas este um pouco mais do que todos, não gosta de ouvir a oposição, sobretudo quando ela tem razão. Por teimosia inexplicável, manteve a proposta do orçamento intacta, mesmo sabendo que seria rapidamente modificada. Deve ser a mais curta duração de vida de um qualquer orçamento, nacional ou estrangeiro. Mais breve até do que o famoso Programa Melo Antunes, que, em 1975, ainda durou um mês! Além disso, recorreu a uma arma dos governos, sobretudo dos ciumentos: reciclou as propostas de Ferreira Leite e do PSD, assim como, em menor medida, do PP, apresentando-as agora como suas. Estes passos de valsa e estas fintas de salão são habituais na política, não constituem sequer motivo para ponderação. Mas têm o condão de excitar os políticos, sempre atentos à sua originalidade e aos seus direitos de autor.
De qualquer modo, um ponto merece ser sublinhado. Só uma discussão séria sobre as medidas de urgência e os gastos extraordinários pode dar algumas garantias aos cidadãos. Estes tempos de aflição são também propícios a muito aproveitamento ilícito ou, pelo menos, oportunista. Seria interessante que os fundos da crise não tivessem a mesma taxa de fraude que tiveram, nos primeiros tempos, os fundos da CEE. O que está a ser feito pelo governo, bem e mal ao que parece, está a ser despachado a grande velocidade. A isso obriga a dimensão das dificuldades, mas também a perspectiva eleitoral. Por outro lado, os agentes económicos, que já perceberam que pode haver facilidades, estão activos no pedir e mostram-se lestos nos projectos. Tudo isto põe vários problemas. Por um lado, é de facto necessário agir depressa, antes que morram os que precisam de apoio ou estímulo. Por outro, esta urgência é terreno fértil para os habilidosos. Seria desastroso que os planos de urgência fossem uma recompensa para os mais poderosos, para os que não precisam ou para os que se preparam para lucrar com a crise. Finalmente, a urgência e as eleições, em conjunto, são um alimento dos projectos inúteis ou menos úteis, das obras dispensáveis e das realizações com custos excessivos e benefícios minguados. Mais: há risco evidente de ajudar quem já não merece. Com efeito, adiar o fim inelutável de uma empresa pode significar simplesmente desperdiçar recursos e agravar as situações.
Só um esclarecimento cabal das condições e dos mecanismos criados pode evitar as consequências nefastas fáceis de imaginar. Não é preciso um plano de unidade nacional, mas é necessário que todos saibam o que se faz e como se faz, incluindo a oposição, as empresas privadas, os profissionais e os sindicatos. Caso contrário, teremos inevitavelmente fraude e desperdício.
José Sócrates tem razão. À manifestação de disponibilidade para um debate com o Primeiro-ministro, expressa por Manuela Ferreira Leite, Sócrates mandou responder que não discute os planos do governo da maneira que ela pretendia, mas só o faz no Parlamento. Por uma vez, não é possível acusar o Primeiro-ministro de autoritarismo e de não querer debater com a oposição. Na verdade, é no Parlamento que estas coisas se discutem, é ali, ou deveria ser ali, que os esclarecimentos se fazem. À vista de todos, sob observação da imprensa, sem recados nem notícias dirigidas e com ampliação pela televisão e pela rádio. Com a possibilidade de conceder livre acesso à sociedade e aos grupos de interesses.
A situação de Manuela Ferreira Leite, que não é deputada, é ou deveria ser considerada anormal. Em certo sentido deveria mesmo ser evitada. Mal ela foi eleita presidente do partido, logo se percebeu que acabaria por tropeçar neste problema. O fenómeno não é novo e traduz a pouca importância que se dá em Portugal ao Parlamento. É considerável o número de chefes de partido que, durante parte ou todo o seu mandato, não eram deputados. Vítor Constâncio, Jorge Sampaio, Freitas do Amaral, Sá Carneiro, Marcelo Rebelo de Sousa, Manuel Monteiro, Paulo Portas e Luís Felipe Menezes são exemplos conhecidos. Sem falar em Álvaro Cunhal que, quase sempre eleito, praticamente não punha os pés em São Bento. Ou antes, só o fez com alguma assiduidade durante o período revolucionário. Depois de normalizada a vida parlamentar, deve ter achado uma maçada e uma perda de tempo. Mas não há só os grandes chefes. Um número elevado de ilustres, se não forem para o governo, vão, depois de eleitos, à sua vida. Alguns não desejam mesmo ser eleitos, mas ficam à espera de um eventual lugar no Governo. Normal seria, por exemplo, que os ministros fossem todos provenientes do Parlamento. Talvez desta simples praxe resultassem melhorias significativas tanto para o Parlamento como para o governo. Neste último, por exemplo, teríamos menos directores-gerais que se dizem técnicos e não políticos, frequentemente incapazes de pronunciar umas frases sobre qualquer assunto político que não seja da sua restrita função administrativa e técnica. Simultaneamente, no Parlamento, veríamos talvez mais gente competente e menos pessoas que mal acabaram o tirocínio das juventudes partidárias.
Tudo, no nosso sistema político, parece feito para diminuir o Parlamento. Até a eleição directa dos chefes, consagrada agora pela maioria dos partidos parlamentares, é, além de uma concessão despudorada ao populismo, uma facada no Parlamento. Sem falar, evidentemente, nos hábitos adquiridos de dar o primado à televisão para os debates, os anúncios de medidas e as tomadas de posição. Discuta-se no Parlamento. Dê-se liberdade aos deputados. E se assim se fizer, talvez um dia o Parlamento tenha vida.
António Barreto
PÚBLICO
11 de Janeiro de 2009
O governo, como todos os governos, mas este um pouco mais do que todos, não gosta de ouvir a oposição, sobretudo quando ela tem razão. Por teimosia inexplicável, manteve a proposta do orçamento intacta, mesmo sabendo que seria rapidamente modificada. Deve ser a mais curta duração de vida de um qualquer orçamento, nacional ou estrangeiro. Mais breve até do que o famoso Programa Melo Antunes, que, em 1975, ainda durou um mês! Além disso, recorreu a uma arma dos governos, sobretudo dos ciumentos: reciclou as propostas de Ferreira Leite e do PSD, assim como, em menor medida, do PP, apresentando-as agora como suas. Estes passos de valsa e estas fintas de salão são habituais na política, não constituem sequer motivo para ponderação. Mas têm o condão de excitar os políticos, sempre atentos à sua originalidade e aos seus direitos de autor.
De qualquer modo, um ponto merece ser sublinhado. Só uma discussão séria sobre as medidas de urgência e os gastos extraordinários pode dar algumas garantias aos cidadãos. Estes tempos de aflição são também propícios a muito aproveitamento ilícito ou, pelo menos, oportunista. Seria interessante que os fundos da crise não tivessem a mesma taxa de fraude que tiveram, nos primeiros tempos, os fundos da CEE. O que está a ser feito pelo governo, bem e mal ao que parece, está a ser despachado a grande velocidade. A isso obriga a dimensão das dificuldades, mas também a perspectiva eleitoral. Por outro lado, os agentes económicos, que já perceberam que pode haver facilidades, estão activos no pedir e mostram-se lestos nos projectos. Tudo isto põe vários problemas. Por um lado, é de facto necessário agir depressa, antes que morram os que precisam de apoio ou estímulo. Por outro, esta urgência é terreno fértil para os habilidosos. Seria desastroso que os planos de urgência fossem uma recompensa para os mais poderosos, para os que não precisam ou para os que se preparam para lucrar com a crise. Finalmente, a urgência e as eleições, em conjunto, são um alimento dos projectos inúteis ou menos úteis, das obras dispensáveis e das realizações com custos excessivos e benefícios minguados. Mais: há risco evidente de ajudar quem já não merece. Com efeito, adiar o fim inelutável de uma empresa pode significar simplesmente desperdiçar recursos e agravar as situações.
Só um esclarecimento cabal das condições e dos mecanismos criados pode evitar as consequências nefastas fáceis de imaginar. Não é preciso um plano de unidade nacional, mas é necessário que todos saibam o que se faz e como se faz, incluindo a oposição, as empresas privadas, os profissionais e os sindicatos. Caso contrário, teremos inevitavelmente fraude e desperdício.
José Sócrates tem razão. À manifestação de disponibilidade para um debate com o Primeiro-ministro, expressa por Manuela Ferreira Leite, Sócrates mandou responder que não discute os planos do governo da maneira que ela pretendia, mas só o faz no Parlamento. Por uma vez, não é possível acusar o Primeiro-ministro de autoritarismo e de não querer debater com a oposição. Na verdade, é no Parlamento que estas coisas se discutem, é ali, ou deveria ser ali, que os esclarecimentos se fazem. À vista de todos, sob observação da imprensa, sem recados nem notícias dirigidas e com ampliação pela televisão e pela rádio. Com a possibilidade de conceder livre acesso à sociedade e aos grupos de interesses.
A situação de Manuela Ferreira Leite, que não é deputada, é ou deveria ser considerada anormal. Em certo sentido deveria mesmo ser evitada. Mal ela foi eleita presidente do partido, logo se percebeu que acabaria por tropeçar neste problema. O fenómeno não é novo e traduz a pouca importância que se dá em Portugal ao Parlamento. É considerável o número de chefes de partido que, durante parte ou todo o seu mandato, não eram deputados. Vítor Constâncio, Jorge Sampaio, Freitas do Amaral, Sá Carneiro, Marcelo Rebelo de Sousa, Manuel Monteiro, Paulo Portas e Luís Felipe Menezes são exemplos conhecidos. Sem falar em Álvaro Cunhal que, quase sempre eleito, praticamente não punha os pés em São Bento. Ou antes, só o fez com alguma assiduidade durante o período revolucionário. Depois de normalizada a vida parlamentar, deve ter achado uma maçada e uma perda de tempo. Mas não há só os grandes chefes. Um número elevado de ilustres, se não forem para o governo, vão, depois de eleitos, à sua vida. Alguns não desejam mesmo ser eleitos, mas ficam à espera de um eventual lugar no Governo. Normal seria, por exemplo, que os ministros fossem todos provenientes do Parlamento. Talvez desta simples praxe resultassem melhorias significativas tanto para o Parlamento como para o governo. Neste último, por exemplo, teríamos menos directores-gerais que se dizem técnicos e não políticos, frequentemente incapazes de pronunciar umas frases sobre qualquer assunto político que não seja da sua restrita função administrativa e técnica. Simultaneamente, no Parlamento, veríamos talvez mais gente competente e menos pessoas que mal acabaram o tirocínio das juventudes partidárias.
Tudo, no nosso sistema político, parece feito para diminuir o Parlamento. Até a eleição directa dos chefes, consagrada agora pela maioria dos partidos parlamentares, é, além de uma concessão despudorada ao populismo, uma facada no Parlamento. Sem falar, evidentemente, nos hábitos adquiridos de dar o primado à televisão para os debates, os anúncios de medidas e as tomadas de posição. Discuta-se no Parlamento. Dê-se liberdade aos deputados. E se assim se fizer, talvez um dia o Parlamento tenha vida.
António Barreto
PÚBLICO
11 de Janeiro de 2009
Etiquetas: Deputados, José Sócrates, Manuela Ferreira Leite, Parlamento, Partidos, Portugal um País de Bananas Governado por Sacanas, PS, PSD
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