JÚLIO
Colaborou na revista Presença, desde 1927, até à sua extinção em 1940. Será o grande impulsionador da estética presenciana nas artes plásticas portuguesas, chegando a ser cognominado o seu “pintor oficioso” por João Gaspar Simões. O espírito desta publicação, manifestado nas obras de Júlio, caracterizava-se pela defesa de uma expressividade lírica e imediata em que a arte e a vida se entrelaçavam. Era valorizada a liberdade absoluta, refutando qualquer espécie de academismo.
Apesar de começar a pintar em 1923, só em 1930 participa numa exposição, o Salão dos Independentes, e a primeira individual acontece em 1934 na Sociedade Nacional de Belas-Artes. Estes anos marcam a primeira fase e, provavelmente, a mais conhecida do seu percurso.
No ano seguinte, por exigências da sua vida profissional, abandona a pintura. O desenho, expressão que já tinha vindo a ganhar relevância na sua produção, passa a ser o seu principal trabalho. Esta deslocação de suporte acompanha uma ruptura radical na sua estética e estabelece a divisão entre dois percursos diversos, quase antagónicos, fundidos numa só trajectória. Voltará à pintura em 1972, desta vez em harmonia com o discurso estético que vinha a praticar.
Nos óleos, Júlio constrói um universo expressionista, conjugando a tendência dramática e violenta de Grosz com o realismo mágico de Chagall. A realidade aparece como ponto de partida para um submundo onde as fronteiras e as regras espaciotemporais são substituídas pela visão poética-onírica do pintor, oscilante entre o grotesco e o maravilhoso.
O pano de fundo destas obras é a cidade, não numa abordagem topográfica, mas como espelho do clima psicológico da cena. Júlio apresenta concomitantemente o obsceno e o lírico, o cómico e o trágico do quotidiano urbano, numa visão fortemente caricatural. Formalmente, estas obras manifestam, por vezes, momentos de profunda violência, em que a linha negra, com crueza expressionista, apresenta uma sociedade teatral e corrupta, povoada por bêbedos, burgueses repugnantes e prostitutas entediadas. A estes momentos contrapõem-se os de simplicidade, inocência e pureza, marcados por um aclaramento dos contrastes e pelo suavizar da linha. É o caso de Tarde de Festa, na qual encontramos uma mulher sorridente que olha para a janela e sonha, transformando os elementos que a rodeiam em flutuantes metáforas poéticas.
É de salientar a originalidade na utilização da paleta de cor, dominada por vermelhos, laranjas e amarelos puros e estridentes.
No início da década de 30, irá experimentar diferentes tendências, com uma série de desenhos surrealistas e pinturas abstractas, antecedendo em mais de uma década o aparecimento dessas estéticas em Portugal. O desenho de Júlio é marcado pelo Expressionismo até 1935; depois desta data o artista opta por um lirismo bucólico, quase pastoral, dividido em grandes séries – O Poeta, Nocturnos, A Família, O Circo – nas quais trabalha durante anos consecutivos. Não se debruça sobre muitos motivos, optando por aprofundar os poucos que elegeu, numa insaciável busca da perfeição.
O traço a tinta-da-china começa por ser rígido, para evoluir rumo à depuração e desmaterializando os contornos. O minimalismo do traço e da cor, reduzida maioritariamente ao preto e branco, leva Júlio, mais uma vez, a percorrer caminhos pouco trilhados na arte portuguesa.
A linha é suave, a cor, quando existe, depurada, clara. É um universo contaminado pela ingenuidade, numa tentativa nostálgica de reencontro do homem com a natureza.
De particular importância é a série do Poeta, a mais numerosa, na qual, atrás de uma aparente simplicidade, o pintor apresenta uma série de auto-retratos que reflectem uma visão lírica e de auto-análise existencial.
Júlio foi também poeta, assinando sob o pseudónimo de Saul Dias. Publica seis livros, muitos dos quais impulsionados pelo seu irmão, José Régio. Estas duas pessoas Júlio e Saul, estas duas expressões artísticas, não podiam deixar de se contaminar. Assim, tanto na pintura como nos versos, o autor apresenta-nos a arte como visão poética da vida, plena de contrastantes hostilidades e magias, realidades e sonhos.
Etiquetas: Júlio, Júlio dos Reis Pereira, Pintura, Saúl Dias
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