segunda-feira, 30 de julho de 2012

O ACTO SEXUAL É PARA TER FILHOS - DIZ ELE


























Já que o coito — diz Morgado —
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;

e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.

Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou — parca ração! —

uma vez. E se a função
faz o órgão — diz o ditado —
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.

Natália Correia 
Em resposta a João Morgado, deputado da bancada parlamentar do CDS,no debate sobre a legalização do aborto, no dia 3 de Abril de 1982.

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domingo, 22 de julho de 2012

HOUVE ALGUM REFERENDO SOBRE ISTO?

Posição da CIMAA relativamente à Tauromaquia Quinta-feira, 19 de julho de 2012


No Conselho Executivo de 17 de julho de 2012, foi aprovada a tomada de posição da CIMAA em relação ao Tauromaquia.
Veja aqui o documento com a tomada de posição da CIMAA


QUANDO FOI O REFERENDO?


QUAL FOI O RESULTADO?

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TOURADA


Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.
Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
espera.

Entram guizos chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais
são tretas.

Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão
não pega.

Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça
da Primavera.

Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.

Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.

Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficionada e a caduca
mais o snobismo
e cismo...

Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro as milhões.

E diz o inteligente
que acabaram asa canções.

Ary dos Santos
1973

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terça-feira, 17 de julho de 2012

À MEMÓRIA DE KAZANTZAKIS...


Deixa os gregos em paz, recomendou
uma vez um poeta a outro que falava
de gregos. Mas este poeta, o que falava
de gregos, não pensava neles ou na Grécia. O outro
também não. Porque um pensava em estátuas brancas
e na beleza delas e na liberdade
de adorá-las sem folha de parra, que
nem mesmo os próprios deuses são isentos hoje
de ter de usar. E o outro apenas detestava,
nesse falar de gregos, não a troca falsa
dos deuses pelos corpos, mas o que lhe parecia
traição à nossa vida amarga, em nome de evasões
(que talvez não houvesse) para um passado
revoluto, extinto, e depilado.

Apenas Grécia nunca houve como
essa inventada nos compêndios pela nostalgia
de uma harmonia branca. Nem a Grécia
deixou de ser – como nós não – essa barbárie cínica,
essa violência racional e argua, uma áspera doçura
do mar e da montanha, das pedras e das nuvens,
e das caiadas casas com harpias negras
que sob o azul do céu persistem dentro em nós,
tão sórdidas, tão puras – as casas e as harpias
e a paisagem idem – como agrestes ilhas
sugando secas todo o vento em volta.

E que não só persistem. Porque as somos:
ou tendo-as circunstantes, ou em faces, gestos,
que vão do Atlântico ao Mar Negro, ou vendo-as
não só em sonhos, mas nesta odisseia
de quem, como de Ulisses, uma vida inteira
é qual regresso à pátria demorado
para que apenas de velhice ainda a aceitemos.

Na Grécia todavia, e mais que em Grécia Creta,
isso que somos regrediu. Distância
muito maior existe em ter ficado igual
num mundo que mudou, e em ter ficado o mesmo,
vivendo como de hoje, entre as antigas pedras
guardando em si o mugir do Minotauro
(e os gritos virginais das suas vítimas),
que, em como nós, não ter nascido ali
mas onde apenas derradeiros gregos
vieram.

Por isso, este vibrar de cordas que é uma dança de homens
saltando delicados em furioso êxtase
perante a própria essência de estar vivo
(ó Diónisos, ó Moiras, ó sinistras sombras)
nos fascina tanto. O que é profundo volta,
o que está longe volta, o que está perto é longe,
e o que nos paira n'alma é uma distância elísia.

No lapidar-se a viúva que resiste aos homens
para entregar-se àquele que hesita em possuí-la
e a quem, Centauro, Zorba dá conselhos de
viver-se implume bípede montado
na trípode do sexo que transforma em porcos
os amantes de Circe, mas em homens
aqueles que a violam; nesta prostituta que,
sentimental, ainda vaidosa, uma miséria d’Art Nouveau
trazida por impérios disputando Creta,
será na morte o puro nada feminino que as harpias despem;
e neste Zorba irresponsável, cru, que se agonia
no mar revolto da odisseia, mas
perpassa incólume entre a dor e a morte,
entre a miséria e o vício, entre a guerra e a paz,
para pousar a mão nesse ombro juvenil
de quem não é Telêmaco – há nisto,
e na rudeza com que a terra é terra,
e o mar é mar, e a praia praia, o tom
exacto de uma música divina. Os deuses,
se os houve alguma vez, eram assim.
E, quando se esqueciam contemplando
o escasso formigar da humanidade que
tinha cidades como aldeias destas, neles
(como num sexo que palpita e engrossa)
vibrava este som claro de arranhadas cordas
que o turvo som das percussões pontua.

Deixemos, sim, em paz os gregos. Mas,
nus ou vestidos, menos do que humanos, eles
divinamente são a guerra em nós. Ah não
as guerras sanguinárias, o sofrer que seja
o bem e o mal, e a dor de não ser livre.
Mas sim o viver com fúria, este gastar da vida,
este saber que a vida é coisa que se ensina,
mas não se aprende. Apenas
pode ser dançada.

Jorge de Sena
Poemas de Poesia III
 

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segunda-feira, 9 de julho de 2012

EPÍGRAFE PARA A ARTE DE ROUBAR


Roubam-me Deus,
outros o Diabo
- quem cantarei?

roubam-me a Pátria;
e a Humanidade
outros ma roubam
- quem cantarei?

sempre há quem roube
quem eu deseje;
e de mim mesmo
- todos me roubam

roubam-me a voz
quando me calo,
ou o silêncio
mesmo se falo
- aqui d'El Rei!

Jorge de Sena
Poesia II

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quinta-feira, 5 de julho de 2012

1945



Toca a silêncio o clarim no silêncio já feito
do quartel que dorme. Como é fria a noite
e prolongada ao mais fundo fundo da treva
por estas notas lentas, sossegadas, graves.
A noite é igual às outras, e o clarim que toca
repete, com variantes, os clarins do mundo.
Toca a silêncio pela terra, longe, do outro lado,
e há homens que dormem sonhando com a paz,
que chegou desconhecida e pálida. Quem dorme
acordado ouvindo os clarins a tocar? –
– a silêncio na noite de Natal, que passa
igual a tantas, desde que há Natal, e a guerra
continua, continua sempre. Ah nunca, nunca
a guerra acaba! Morrem oprimidos
povos e povos, crentes de uma paz, da mesma
prometida outrora e por penhor rasgada.
Morrem os homens, quando a sonham mais,
e os que não sonham, e os que não a sabem
e morrem, já da paz, e não serão lembrados
sob um nome comum, com monumentos e festas.
Mortos da paz! Anónimos! Perdidos! Não dareis
um feriado às crianças que da escola
sairiam correndo, ignorando até
que poderiam estar com elas vossos filhos,
se os tivésseis tido.
Toca a silêncio, ó clarim do mundo!
Toca a silêncio, agora, manda adormecer
esta humanidade frenética de saber que existe,
manda que durma e sonhe de si própria
a existência que sabe e que não tem!
Toca a silêncio, ó clarim do mundo!
E na alvorada, quando na alvorada
acordarem todos para mais um dia,
não toques para todos nunca mais!
Acorda apenas os que não viveram,
os banidos, os perseguidos, os traídos, os infames,
os que te ouviram sempre com o desejo nas mãos,
os mortos juvenis, os mártires de todos os tempos,
de todas as guerras, de todos os tratados
– e chama-os para que vejam com os seus próprios olhos
a terra imensa: era tão grande a terra! E depois, logo depois, na noite extrema
que os abrigará materna em pleno dia
– toca de novo a silêncio, ó clarim do mundo!,
é silêncio o que eles pedem, só silêncio, mais nada.

Jorge de Sena
Os Antinatais

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